15/06/2009 14:31

O Governo, a Anvisa e o Mercado Publicitário. É Preciso "Rachar" essa conta.

Esta semana entra em vigor a nova resolução 96/08 da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – que segundo o órgão, tem por objetivo “proteger a saúde da população”. Já vi esse filme. Aliás, essa nova resolução complementa e revisa uma outra, de 2000, quando a indústria farmacêutica também teve que se enquadrar em novas diretrizes de comunicação e comercialização de seus produtos.

Sempre que vejo as autoridades demonstrarem preocupação com a população me dá a impressão de que estão fazendo sua parte, que o país está crescendo e amadurecendo, contudo temos também que fazer uma leitura do cenário por outro ângulo, sem miopia.

É muito fácil culpar a indústria disso e daquilo pelo consumo inadequado de produtos que há muito tempo são comercializados e vendidos livremente e cuja cultura de consumo já está enraizada na população, ao invés de investir em campanhas de conscientização e, acima de tudo, na educação, desde os primeiros anos escolares. É como se quisessem tapar o sol com a peneira. O governo permite que os programas de entretenimento, principalmente as tele novelas, motivem o consumo para depois coibir a indústria de atender a demanda.

Sou a favor – excluindo minha posição de publicitário – de qualquer iniciativa que faça o bem para a população, mas acho que elas não podem ser paliativas, precisam fazer parte de um programa consistente, que traga resultados a médio e longo prazo, que eduque a população de forma inteligente e incluindo todos os setores. Principalmente quando se trata de crianças, nós publicitários precisamos nos lembrar do compromisso social e ético que assumimos aos nos formar, mas não somos os únicos responsáveis pela cadeia de consumo. Quando as autoridades permitem programas infantis que fazem apelo a produtos inadequados – o programa da Xuxa sempre foi campeão nesse quesito – não adianta depois expor o mercado publicitário e a indústria à ira da população, tachando-os como vilões. É preciso se praticar mais o “mea culpa”.

De forma simplista, o papel do publicitário é o de comunicar e provocar o consumo de produtos, serviços e marcas e salvo a conduta política de cada um em não trabalhar com determinados produtos, anunciar o que tem licença do governo para ser comercializado. As agências não fazem promoção de produtos ilícitos. Assim, insisto que se a população tem consumido medicamentos demais por conta própria, a responsabilidade é de todos, em primeiro lugar do próprio governo que não oferece um sistema público de saúde digno, aliás muito longe disso, e muito menos educação de nível para as camadas mais carentes da sociedade.  

Também vale lembrar nesse espaço que o Ministério Público tem se mostrado preocupado com as multinacionais, em especial as grandes redes de fastfoods, que seduzem as crianças oferecendo brinquedos inéditos na compra de um determinado produto. A preocupação com o aumento do consumo de um produto inadequado para a saúde da criança é louvável, mas há muito tempo isso acontece e, além da saúde das crianças, o mercado promocional tem sido um dos grandes prejudicados, haja vista que as estratégias vêm prontas do exterior, bem como os brindes oferecidos, inibindo nossa cadeia produtiva. Enriquecem americanos e asiáticos e enfraquecem agências, profissionais e fabricantes de brindes, além das próprias crianças brasileiras.

Sou a favor da regulamentação nesse setor, favorecendo o mercado nacional, o que vai exigir mais criatividade das grandes redes e conseqüentemente a procura pelo trabalho das agências.

Quero deixar claro que não sou daqueles críticos azedos, oposicionistas de carteirinha e nunca satisfeitos com nenhuma iniciativa governista, pelo contrário, dignifico a preocupação em pauta, mas temos que colocar as coisas em seus devidos lugares. Proibir que a indústria farmacêutica utilize personalidades para persuadir o consumo de seus produtos talvez seja razoável, mas dificultar a comunicação em geral, a distribuição de brindes para médicos, as estratégias de merchandising no PDV e outras determinações questionáveis é lamentável. Me lembra a Lei Cidade Limpa, imposta pelo prefeito Kassab, em São Paulo: durante anos a prefeitura permitiu a comunicação, sem nenhum controle nem política de distribuição de alvarás, e de uma hora para a outra tira os espaços de todo mundo. Quem pagou essa conta não foram as grandes marcas multinacionais e sim os pequenos e médios empresários de comunicação que apostaram e investiram na oportunidade apoiada pela prefeitura.

Em que pese os resultados positivos, uma pequena parcela da sociedade não pode pagar pelos erros dos outros e o mercado publicitário não pode servir de boi de piranha da incompetência das autoridades, mas vendo pelo lado bom essa perseguição faz com que o reconhecimento do publicitário brasileiro no exterior aumente a cada Cannes, afinal em que lugar do mundo ele tem que reinventar tão constantemente suas formas de comunicação?

(Se quiser comentar esse artigo, acesse minha coluna no Promoview https://promoview.com.br/gente-promo/artigos-e-cronicas/o-governo-a-anvisa-e-o-mercado-publicitario-e-preciso-%e2%80%9crachar%e2%80%9dessa-conta/)

 

 

—————

Voltar